Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
1 - O eu é acusado de ser um poeta fingidor (ou mentiroso).
1.1- Explicite o
sentido da sua defesa (vs. 3 a 5).
O facto de Pessoa ressentir que digam que ele finge, tem a ver com o seu processo criativo e pelo facto de ele ter sempre sido considerado - mesmo em vida - como um poeta eminentemente racional. Diziam os seus contemporâneos que nada nele seria espontâneo, mas sempre pensado. Ele, "defendendo-se" diz que "sente com a imaginação", ou seja, usa a imaginação como barreira defensiva entre ele e a crueldade (e crueza) do mundo real.
Todo os passos da poesia Pessoana - há que compreendê-lo - são terraços (como ele diz), são passos intermédios entre uma coisa e o seu significado. Pessoa quer acima de tudo a verdade das coisas, mas para a alcançar, e sabendo como é difícil, ele desenha degraus, pouco a pouco, para a atingir. Deste modo se pode perceber um pouco o porquê do afastamento das coisas, e sobretudo do fingimento.
Fingir é também possibilitar "sentir as coisas de todas as maneiras", como dizia o heterónimo Campos. Só se pode sentir tudo de todas as maneiras, se não se sentir nada de maneira nenhuma - ou seja, se não estivermos presos pelo sentir as coisas, é possível descobrir (talvez) a verdade por detrás delas.
Isto é sobretudo um processo filosófico (gnosiológico), ligado ao conhecimento humano através da linguagem. Mas de maneira simples, diremos que Pessoa nem tem de se defender de fingir, pois fingir não é para ele uma fraqueza, mas antes um método de conhecer (e alcançar) a verdade das coisas, não se envolvendo demasiado nelas. Afastando-se, Pessoa observa, e apenas afastado consegue ver mais claramente tudo o que o rodeia. Ele deixa o "sentir" para os outros, para "quem lê".
2 - Interprete o verso 10 " essa coisa é que é linda", tendo em conta os seus conhecimentos sobre o processo de criação poética doutrinado por Fernando Pessoa.
"Essa coisa é que é linda" refere-se aos terraços de que falei na questão anterior, nos passos intermédios entre fases de conhecimento. Não é a coisa
presente que é a realidade, a verdade, mas um passo seguinte, e é essa
descoberta, esse processo, que revela a beleza das coisas, na sua interminável
complexidade.
Podemos também entender como esta frase se insere nas correntes, nos
"ismos" Pessoanos, sobretudo no Sensacionismo. O sensacionismo, no
seu essencial (sobretudo como se encontra em Caeiro), traduz esta mesma
racionalização do real e sobretudo a aniquilação da metafísica - tudo no
pensamento sensacionista se reduz a sensações, todos os objetos se reduzem a
sensações e por isso mesmo são compreensíveis pelo pensamento.
Basta ver os princípios do sensacionismo:
1.Todo o objecto é uma sensação nossa.
2.Toda a arte é a conversão duma sensação em objecto.
3.Portanto, toda a arte é a conversão duma sensação numa outra
sensação.
retirado de http://www.umfernandopessoa.com/an%C3%A1lises/poema-isto.htm
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