13/10/2012

Análise do poema "Autopsicografia", de Fernando Pessoa



Para completar o PowerPoint sobre o poema "Autopsicografia", de Fernando Pessoa, aqui fica uma breve análise ao texto:

AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor 
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda 
Que se chama coração

O poema "Autopsicografia", escrito em 1930 e publicado em 1932, é porventura um dos poemas mais conhecidos de Fernando Pessoa.
Autopsicografia pode ser traduzido como "escrita da própria alma". De certa maneira é Pessoa aqui o espírito que transmite a mensagem ao Fernando Pessoa que escreve.
Porquê este título? Porque nos parece que Pessoa quer descobrir para si mesmo o mistério da sua poesia e sobretudo da arte de ser poeta. Quem é o poeta, e porque será que o poeta escreve? A resposta, enrolada num mistério, apenas poderá ser desvendada através de um método igualmente misterioso.

Analisemos então o poema estrofe a estrofe:
O poeta é um fingidor/Finge tão completamente/Que chega a fingir que é dor/A dor que deveras sente
É certo que este poema desvenda de certo modo a "teoria poética" Pessoana, mas não nos iludamos com a presença de certezas. Pessoa define o poeta como um "fingidor", mas fala apenas de si mesmo. Novamente reforçamos a importância da análise do título: é Pessoa a falar de si a si mesmo. Um poeta pode não ser um fingidor, mas ele, enquanto poeta, é revelado enquanto um fingidor. 
Uma ponta dessa revelação é que o fingimento serve para mascarar a dor. A dor que Pessoa sente é real. Mas através da poesia, a dor que ele sente, finge-a, ao ponto de a dor real parecer fingida. Mas ela é real? No início, sim, mas depois do filtro da poesia, já nada é real, mas sim emocionado ou raciocinado.

E os que leem o que escreve,/Na dor lida sentem bem,/Não as duas que ele teve,/Mas só a que eles não têm.
Se o poeta já não consegue distinguir o que sente, resta essa missão a quem o lê, a quem lê a intelectualização que ele produz.
Mas engane-se quem pensa poder identificar-se com a dor que o poeta sente. Pessoa diz, e muito bem, que quem lê sente apenas a ausência da dor em si mesmo e não a dor presente no poeta. O poeta tem as "duas dores", a real e a fingida, mas quem lê não tem nenhuma das duas - apenas a ausência de dor em si mesmos.
A sublimação da dor em poesia não pode ser sentida por quem lê. Isto é compreensível, visto que é quem escreve que sente intimamente a dor que o leva a escrever. É essa ausência a única coisa a ser verdadeiramente sentida por que lê. Quanto muito quem lê tenta ver a origem da dor de quem escreve - mas à distância.

E assim nas calhas de roda/Gira, a entreter a razão,/Esse comboio de corda/Que se chama coração
Esta perda de sentido da dor - que ilude quem a sente, sobretudo se é um poeta, leva a Pessoa chamar pelo seu coração. O coração aqui é claramente equiparado tanto à dor como à emoção: é o coração que sente, é o coração que "entretém a razão". Será um desabafo solene de Pessoa, visto que a sua dor é emocional e não acha uma resolução racional definitiva para a mesma? É possível, mas apetece-nos no final desta análise dizer: decida quem lê.

NOTA:
- para imprimires este texto que acabaste de ler,  carrega aqui.
- para completares o teu estudo com uma análise aos aspetos sintáticos e semânticos deste poema, imprime e lê com muita atenção este documento.

BOM ESTUDO!

1 comentário:

  1. Muito boa a análise! Parabéns e obrigado por esta.

    ResponderEliminar

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...